Quando Platão Inventava para Dizer a Verdade
Texto de Antônio Dini - Mostly Weekly 325
Platão nunca relatava as palavras exatas de Sócrates. Ele as inventava, as recriava, as modelava como argila para restituir o sentido profundo do seu pensamento. E assim faziam Heródoto com os discursos dos reis persas, Tucídides com os oradores atenienses, Tito Lívio com os generais romanos. Ninguém se escandalizava: o importante era captar a verdade das situações, não a letra das frases.
Hoje somos obcecados pela precisão filológica. Cada vírgula deve ser documentada, cada citação verificada, cada detalhe certificado. Transformamos o conhecimento em um exercício de contabilidade intelectual. O resultado? Sabemos tudo sobre os fragmentos e nada sobre o todo. Catalogamos folhas e perdemos as florestas.
Os antigos eram menos rigorosos, mas muito mais sábios. Entendiam que a realidade não está nas palavras exatas, mas no significado que atravessa os fatos. Os significados não são unívocos. A realidade é complexa. E eles tinham a coragem de interpretar, de sintetizar, de dar forma narrativa ao caos da experiência. Nós, armados de metodologias impecáveis, produzimos montanhas de detalhes e desertos de compreensão.
É o paradoxo da nossa época: quanto mais ferramentas temos para conhecer, menos conseguimos entender. Os antigos inventavam para dizer a verdade. Nós documentamos tudo e dizemos pouquíssimo. É uma das razões pelas quais, na minha opinião, hoje o primeiro populista que aparece desestabiliza o sistema e vence tudo. Na Itália como na América.